sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Dicionário de lugares que não existem

Foto de Michael Kenna.

Nosso encontro teria sido... Eu te diria... Ah, todo mundo diz tanta coisa, eu... Pensei que você soubesse de um lugar, acho que eu te falei, com certeza não falei. Não sei, eu teria combinado de te encontrar, você... Eu não fui... Eu não iria, você sabe, você nunca apareceu... Os lugares nem deviam existir; nós não seríamos obrigados a marcar encontros, fazer planos... Uma vida assim tão triste, cheia de medos, sem entrega, sem nossas melhores intenções, melhor assim. Ah, os homens estão com medo de você, querida, onde quer que você vá, cada um deles te dirá que... Que nada... Ninguém vai se entregar a você assim tão fácil. Tudo é prisão, pequenas mortes que não curam, que não atravessam... E você queria tanto sentir o amor, sentir o sal da vida, ver as luzes da loucura-catedral: os homens estão com medo.

6 comentários:

Anônimo disse...

O que existe? Este ruído-melodia urbano. A meia lua, lua inteira sobre arranha-ceús. O crepúsculo concreto e armado, a rota exata do avião, antes do avião. O tempo? Existe! Esta música-lamento, sólida como meu corpo. E este tic-tac dentro-fora de mim ressoando impávido: tudo em órbita, o relógio no centro. Rodopio, transpiro, arrepio de medo e tesão, pólos excludentes. Lilith, light, louca, lúcida, lúdica, lonely, lenta, lépida, loser, livre, love, love, love. Quem vê quem, quando? A quem capto, onde? Quem liberto de mim, por quê? Tristeza, Medo, Beleza, Alegria, Compaixão. Tudo aqui, em você, em mim. É urgente tremer de medo, ser triste, intensamente, ser humano e frágil como as camélias brancas, maculadas por intenções de afagos. Apresentar-se, mesmo tímido, com o esforço de emergência escancarado, ainda que inútil: seriam todos os olhos cegos, os ouvidos moucos, as mãos duras? Ou seríamos todos mudos, inexpressivos, ausentes, quanto mais nos desejamos presentes?

Anônimo disse...

De sal:Bafo

Meu etéreo amor,
esterilizou-me,
que disse:
única,
por isso só feliz,
quando morta,
em corpo físico...
Por esta e outras...
mais vivo?
Aprendi,
que dançando o silêncio,
movediço,
leve,
àfundo,
cristalina,
no já esquecido.
Sau da- se -de.
Pudesse
embriagava-me,
enquanto espero,
- Su e Cida -
só,
que,
coração,
partido,
anti-cambaleante,
ex-vazia,
luppings,
harmônicos,
tormentos cor de cereja,
do oco do nunca,
me fazendo ouvir,
ébria,
não,
ainda,
o alheado:
“que assim seja”.

Hádor_in.

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

Um pouco mais objetivamente:

“Uma vida assim tão triste, sem entrega, sem nossas melhores intenções”. Estamos bloqueados por nossos medos de reprovação, acho. Onde quer que marquemos encontros, não haverá encontros, não é mesmo? Isso me parece mais verdadeiro quanto mais nos assemelhamos com o outro, aquele que desejamos encontrar: ao vislumbrá-lo nos olhos de alguém, nas suas palavras ditas e pressentidas, no seu jeito de ir e vir, vestir, corremos de medo. Medo de desapontar, de fracassar na conquista? Que dificuldade é essa de olhar-nos no espelho e nos admitirmos assim: humanos e frágeis, necessariamente expostos a prazeres e agruras?

Creio que estamos sempre competindo um com o outro, mesmo quando criticamos o modo de vida ultra-competitivo de nossas sociedades hiper capitalistas, cruelmente capitalistas e competitivas. Como podemos nos entregar (ao outro, à música, à vida), se carregamos o gene de nossa era, ainda que o reneguemos?

Quando a hora chega, corremos de medo: nos afastamos literalmente ou nos recolhemos interiormente. E evitamos que o outro, já tão perigosamente próximo, nos veja: não queremos correr o risco de decepcioná-lo e, principalmente, de nos sentirmos fracassados, losers (termo não por acaso popular!). Não queremos assumir o ônus de sermos apenas humanos, ainda que sejamos ricos, artistas, belos, inteligentes, cultos, admirados ou não.

Assim é que perdemos o sal da vida: escapamos dos que nos desafiam a trilhar caminhos novos e nos associamos aos carente e pedintes, que não tememos decepcionar. Preenchemos suas carências e nos tornamos seus ídolos, seus heróis, seus deuses. Gostamos desse papel, não é mesmo? Mas qual o mérito de conquistar corações enfraquecidos e bêbados, tolos, derreados, derreliados? A estes, como a nós, devemos compaixão, devemos dar a mão. A eles cabe tomar o impulso e seguir em frente, carregar-se, compreender-se: o caminho é solitário.

Será que ao menos os jovens ainda correm riscos, inocentes que são de sua própria inconsistência? Calejados, evitamos a possibilidade de desamparo, esquecendo que esta é afinal a condição humana? Angustiados, imaginamos Deus, nos refugiando de nossa ignorância, da evidente impossibilidade de conhecer, pois o Mistério não seria Mistério se pudesse ser desvendado.

Não seria essa mesma impossibilidade o grande estímulo para esquecermos, nos abandonar à vida, sem medo, pois o que está posto, está posto? Talvez seja demasiado arrogante, daqui do raso do universo, pretendermos desvendar o Mistério. Com tamanha ambição (incomparavelmente maior que a dos capitalistas, limitados ao estreito mundo do dinheiro e do poder), não estaríamos fadados ao fracasso?

Já sei: mudar é muito mais difícil do que perceber o erro da rota. Ainda assim, tentemos.

Meu consolo é saber que ainda existem os de alma simples e serena, mas valentes – de vez em quando, vêm ter comigo. Eles se entregam, resguardando-se, e aos poucos se instalam no coração alheio. Silenciosos, mansos, destemidos. Mesmo diante de um outro, aparentemente mais poderoso (intuem que em essência somos todos os mesmos, passageiros sem destino do barco-planeta Terra), arriscam-se, comovem, conquistam. Não têm medo de mulher. Não têm medo de homem. Não temem o fracasso, uma possibilidade real, porque aprenderam que a dor faz parte do trajeto, é inevitável. E que o prazer tem de ser conquistado. Corajosamente.

Foi bom pensar sobre isto. Obrigada por me proporcionar este momento. Não pedi a Santa Clara, mas ela clareou.

Anônimo disse...

O que eu queria mesmo era...

Raul

Anônimo disse...

Entrega... quando foi que perdemos essa capacidade?
De qual grande mal estamos nos resguardando?
Não será maior mal a perda do tempo que passou, da vida que não se viveu?
Um dia me pediram para falar de mim... Qual não foi a minha surpresa em não saber de fato o que eu queria que fosse de mim revelado!
Acho que quero que me descubram, me revelem diante dos olhos que me observam e me mostrem de onde vem o seu encanto. A beleza está nos olhos de quem vê... Olhos diferentes enxergam belezas diferentes... Não acho que o que os meus próprios olhos são capazes de revelar totalmente o que eu realmente sou. Não quero me expor para convencer ninguém de que eu valho à pena. Quero sim valer à pena aos olhos de quem me vê e até enxergar o que não consigo ver sobre mim mesma...

Enfim, acho que entrega tem um pouco a ver com se permitir ser descoberto e encantar-se com a terra desconhecida que foi descoberta.