quinta-feira, 22 de maio de 2008

No colo de uma raiz

Foto de Andréita Dorim.

"As árvores contorcem-se, dobram-se, erguem-se de novo num grande estrondo e esticam-se, como se quisessem desenraizar-se e fugir. Não, não cedem. Dor de raízes e de folhagem quebrada, feroz tenacidade vegetal não menos poderosa que a dos animais e dos homens. Se estas árvores começassem a andar, devastariam tudo o que lhes impedissem a passagem. Preferem ficar onde estão: não têm sangue nem nervos, mas seiva, e em vez da cólera ou do medo, habita-as uma obstinação silenciosa. Os animais fogem ou atacam, as árvores ficam quietas, presas no seu lugar. Paciência: heroísmo vegetal. Não ser leão nem serpente: ser azinheira, ser aroeira". Octávio Paz.

"Para veres o mundo em um grão de areia

E o céu em uma flor silvestre,

Segura a imensidão na palma da tua mão

E a eternidade em uma hora". William Blake.

O limitado da forma ao infinito. Olha a margarida e vê ali no foro de sua existência um padrão. O que diz a concha assim em suas linhas? Há uma perfeição de copa de árvore em tudo que só as crianças. Vê: há em cada coisa algo se mantendo um com o universo. Revela-se o maior do que nós, o Mistério em tudo e ainda assim em nós: reflexos. E se eu te disser que estou me correspondendo com um girassol? A medida do imensurável é um modelo a se seguir, vejo e penso. Não sei dizer o que senti ao beber dinergia das plantas. Escuta, é o Buda dizendo o Sermão da Flor. Eu te falei que a proporção é um relacionamento justo? Já ouviu falar do Corte de Ouro? As hélices de folhas giram meu coração. Olha, é o Rumi dançando o Sama e é o calor do colo de uma raiz!

Estreito caminho da sombra

Foto de Mathew Scherfenberg

Envolta em mar de mênstruo a mostra do seu cinema

Oferece a outra face, a fenda estreita, o aperto.

Moça humana da boca do reto diz segredos curvos.

Seu corpo manchado de luz e o escuro do meu cunho.

A porta dos fundos, a porta dos serviçais.

Seu olho mais profundo me observa, me devassa.

Seu esfíncter me separa de minha própria sombra.

O escroto medo pesa em meu barco

Em frente ao beco do tesouro fétido.

Eternamente entregue ao sacrifício,

No entanto, ninguém ao orifício,

Estará você para sempre proibida de se martirizar.

domingo, 18 de maio de 2008

Arte

Foto de soldado russo. Autor desconhecido.

"Vai, vai, vai, disse a ave: o gênero humano não pode suportar muita realidade". T. S. Eliot: Quatro Quartetos.

Por este não suportar, por este excesso de coisas é que ele precisa Dela, por enxergar Nela um instrumento de superação dos hábitos de sua existência e, ao mesmo tempo, de aproximação vertical com uma vida mais profunda.

Assim, Ela é requisitada no intimo dos corações.

Amar-Te.

Reconstruir Teu corpo,

Devolver-Te o dissolvido,

O volátil, o imponderável,

O informe.

Informar-Te de forças.

Não mais um corpo

A cada dia, tantos espelhos.

Paramentar-Te com olhos.

Entre tantas, dar-Te a mão.

Separar-Te.

Abrir-Te os poros, os pontos.

Montar Teus ossos,

Teu quebra-cabeça.

Colar Teus cacos,

Untar Tuas peças.

Ente Tuas pernas,

Pulsos,

Respirar-Te.

Soprar-Te o peito.

Beijar-Te a boca.

Inconcluir-Te.