sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Dicionário de lugares que não existem

Foto de Michael Kenna.

Nosso encontro teria sido... Eu te diria... Ah, todo mundo diz tanta coisa, eu... Pensei que você soubesse de um lugar, acho que eu te falei, com certeza não falei. Não sei, eu teria combinado de te encontrar, você... Eu não fui... Eu não iria, você sabe, você nunca apareceu... Os lugares nem deviam existir; nós não seríamos obrigados a marcar encontros, fazer planos... Uma vida assim tão triste, cheia de medos, sem entrega, sem nossas melhores intenções, melhor assim. Ah, os homens estão com medo de você, querida, onde quer que você vá, cada um deles te dirá que... Que nada... Ninguém vai se entregar a você assim tão fácil. Tudo é prisão, pequenas mortes que não curam, que não atravessam... E você queria tanto sentir o amor, sentir o sal da vida, ver as luzes da loucura-catedral: os homens estão com medo.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Tocando Fantasmas

Foto de autor desconhecido.

Minha mão esquerda é sua mão direita. Seu corpo é mar...

domingo, 3 de agosto de 2008

Corpo de Saudade

Duane Michals, na década de 60, foi um dos primeiros fotógrafos a trabalhar a seqüência fotográfica de forma expressiva, às vezes utilizando textos escritos, outras a narrativa fotográfica não-verbal. Em suas histórias curtas explora cenas casuais, bizarras ou espiritualistas. Em muitas das seqüências, as cenas desenvolvem-se com a câmara parada, sem mudança de enquadramento, dupla exposição e velocidades lentas do obturador. Michals vai influenciar uma dupla (Peeters/ Plissart) na elaboração de uma série de roman-photo. Droit de Regard , uma seqüência de ensaios fotográficos, sem nenhuma legenda ou texto escrito. Desta me sirvo.

F – Eu vou sentir saudade do seu corpo, tanta.

J – Eu não tenho mais onde me segurar.

F – Agora eu me lembro. Eu fiz amor com você.

J – Você faria de novo?

F – Eu faria.

J – Como seria?

F – Eu começaria lambendo os bicos dos seus seios. Devagar. Salgado, doce, agridoce, nenhum gosto definiria seu gosto. Seu gosto seria o seu gosto. Lamber o corpo da amada seria uma arte prévia, uma premonição, uma promessa. Eu já saberia como você gostaria de ser chupada nos mamilos. Muito antes de te conhecer eu saberia. Nosso encontro seria uma memória física. Eu daria leves mordidinhas, circundaria a forma deles com a língua. Paladar tátil. Gula. Você já seria minha antes de ser.

J - Eu sentira espasmos. Tremeria na cama como se uma onda elétrica me desse choques pelo corpo todo. Arrepios desinformariam meu cérebro. Eu estaria desorientada, descontrolada, com tesão. Eu nasci pra ser sua que em outras bocas eu era uma perdida.

F - Eu desceria. Minha boca me guiaria. Eu te tocaria com a boca, com a língua, a sua geografia portuguesa. Seu corpo, aquele corpo, seu corpo, o corpo de quem a gente ama com a boca, não pode estar sempre salivado. Seu corpo precisa comer, dormir, andar, fazer coisas, torturas que exige-se de um corpo. Minha boca te mataria de tanto te chupar. Eu te morderia e te aprisionaria em meus dentes. Seu corpo não sairia da minha boca.

J - Entre as minhas pernas, meu amor, você me chuparia. Chuparia, sugaria, lamberia, sentiria meu movimento: frêmitos, meu amor, espasmos. Eu diria: “Assim, chupa, assim, eu quero que você me coma.. Me chupa, me chupa, não deixa sobrar nada, amor, nada!”

F – Eu diria: “Goza na minha boca, Fernanda, goza seu mar na minha boca. Sua poesia líquida, seu trabalho úmido, seu suor sagrado. Baba em mim sua fé, sua angústia, seu desespero de viver, explode esse gozo na minha cara. Eu nasci pra te beber, pra te consumir feito fogo. Eu tô com sede, Fernanda, eu tô com sede, meu amor! Verte a sua água mais pura, seu jorro mais caudaloso, sua porra mais minha”.

J – Eu diria “Bebe, Joaquina, bebe. Eu te quero bêbada do meu gozo, do meu absinto útero, dos meus corrimentos, das minhas fontes. Eu tô gozando, meu amor, eu tô gozando na sua boca toda a esperança do meu coração, todas as mortes da minha vida, todas as vidas da minha morte”.

F - Meu Deus, eu morri de saudade de você!

J – Eu morri de saudade de você, meu amor!

(Cena da peça "Saudade"de Leo Lama.) .