segunda-feira, 14 de julho de 2008

Janela da Alma

Hermeto Pascoal em foto do filme “Janela da Alma” de João Jardim (diretor de documentários como "Terra Brasil" e "Free Tibet") e Walter Carvalho (diretor de fotografia de "Abril Despedaçado”). Os dois são míopes: o primeiro usa óculos de 8 graus; Carvalho, 7,5.

"A idéia surgiu de uma vivência muito pessoal minha, eu achava que o fato de eu ter uma miopia muito grande tinha influenciado na minha personalidade e até na minha vida. Achava super interessante essa questão do ver ou não ver. Tudo depende do que a gente já viu antes, que determina a maneira como a gente interpreta o que está vendo. Eu achava muito estranho não se falar disso em cinema ou televisão, achava que dava para fazer alguma coisa emocionante." João Jardim.

“O olho é a janela da alma, o espelho do mundo”. Leonardo da Vinci.

“A maioria das imagens que vemos está fora do contexto e quer nos vender alguma coisa. Ter tudo em demasia significa não ter nada. Temos tanta imagem que não prestamos atenção em nada. As crianças querem ouvir estórias muito mais pelo conforto, do que pela estória em si. A estrutura da estória cria um sentido e a maior parte do tempo a vida não faz sentido. As estórias hoje em dias são excessivas, tudo é excessivo. Temos excesso de tudo, menos de tempo. As estórias simples não são mais enxergadas”. Win Wenders, cineasta.

“Eu preciso de enquadramento. Sem óculos eu via demais, prefiro ver enquadrado”. Win Wenders.

“O olhar deprimido e triste da minha mãe olhando para mim, isso me afetou. Anos depois, eu sofri um paradoxo após uma cirurgia com muito sucesso, meu olho foi corrigido e ninguém notou. Eu fiz um filme sobre a minha experiência na infância, sobre o jeito como minha mãe me olhava. O filme também foi um sucesso e acho que ninguém entendeu. Não era um filme sobre a deformidade facial, a verdadeira lesão não era perder um olho, era a lesão interna”. Marjut Rimminen, cineasta.

“O filme “Jacquot de Nantes” é sobre Jacques Demy, meu marido. Só tive essa visão tão intima dele porque eu tinha medo de perdê-lo. E ele morreu pouco tempo depois da filmagem. Sua pele, seus pelos, parece que não há distância entre o olho do observador e a pele. Só o amor poderia me fazer vê-lo tão perto. Só eu, olhando-o dessa forma, poderia filmá-lo assim. A alteração da visão se dá pelo sentimento e não pelo que é visto”. Agnès Varda, cineasta, sobre a cena de seu marido vestindo um suéter ao lado de Catherine Deneuve.

“Nunca estivemos tão próximos da alegoria da caverna de Platão do que hoje, somos bombardeados por imagens de todo tipo, sombras que cremos reais. Pessoas olhando em frente, vendo sombras, e acreditando que estão vendo a realidade. Perdidos de nós próprios e na relação com o mundo, não seremos nada”. José Saramago, escritor.

“Fiz-me a pergunta: e se fôssemos todos cegos? E no momento seguinte eu logo me respondi que estávamos mesmo todos cegos da razão. Tem explicação, mas não tem justificação”. Saramago.

“Pra conhecerdes as coisas, há que dar-lhes a volta, dar-lhes a volta toda”. Saramago, sobre os pontos de vista de uma coroa que adornava o interior de um teatro em que ia quando criança. Vista de um lado era majestosa, vista por dentro era suja e cheia de teias de aranha.

“O primitivo manda na minha alma. Não entra pelo olho. O olho vê, a lembrança revê. O poeta transfigura o real e isso é o mais importante...acho que eu não disse o que vocês queriam ouvir... rs, rs, rs,” Manoel de Barros, poeta.

"Eu pedi a Deus para Deus me deixar um tempo cego, cego aparente. Porque olhando é tanta coisa ruim que a gente vê, que atrapalha a visão certa, a visão das coisas que a gente quer fazer na vida". Hermeto Pascoal,
músico.

“A gente enxerga mais é com o terceiro olho. A gente escuta mais é com a nuca. Quando você quer prestar atenção em algo que está ouvindo você não aponta os ouvidos pra fonte, mas abaixa um pouco a cabeça”. Hermeto Pascoal.

“Nossa imaginação completa as palavras. Eu queria ler entre as imagens. A maioria dos filmes é emparedada, não dá espaço para sonhar”. Oliver Sacks, neurologista.

“Todas as nossas emoções codificam as imagens. Pode haver uma crise nervosa com a separação ente a visão e a emoção”. Oliver Sacks.

“Sou um narciso sem espelho, é muita sorte”. Eugen Bavcar, fotógrafo cego.

“Michelangelo não viu Moiséis, não o viu atravessar o Mar Vermelho, mas leu sobre ele, por isto pode pintá-lo. A imagem está nas palavras. Não vejo imagens, faço imagens”. Eugen Bavcar.

“Ele fotografa o lado dentro. Quando eu era criança, minha mãe me chamava de minha corujinha”. Hanna Schygulla, atriz, ao ser fotografada por Bavacar com uma coruja no ombro.

“Você nunca se descobre pensando fora de foco. Eu não me penso fora de foco. O mundo é que está ou eu que estaria? Nunca pude olhar muito de perto no espelho. Quando tentava, batia no espelho”. Carmella Gross.

“Descobri com óculos que as árvores eram múltiplas e cheias de folhas e não uma massa”. Antonio Cícero, poeta e filósofo.

“O olhar na janela é outro olho na janela e outro olho na janela até o infinito. Talvez nunca seja na verdade a própria alma”. Antonio Cícero.

“Moças na cama me pediam para tirar os óculos. Eu as achava umas degeneradas”. João Ubaldo Ribeiro, escritor.

"Ninguém me entende, ninguém me escuta, ninguém me enxerga!". Repetem os que desesperadamente sofrem pela falta de percepção dos outros. Aqueles que não conseguem se mostrar e culpam os outros por não conseguirem os ver. Estes são os mais cegos, pois não se enxergam sendo enxergados, portanto não se mostram por não se acharem sendo vistos. Esquecendo que também não conseguem ver os outros, já que tudo é espelho distorcido pela própria visão. Foi isto que se quis dizer quando se disse “não cometerás adultério”, ou seja, não adulterará a realidade. O psicologismo é a cegueira da inteligência, da capacidade de ler a realidade, portanto de enxergar a imagem que se projeta no mundo. E é isto que vemos: nós em tudo. Refletir é se espelhar em si. Leo Lama, escritor, cego, que não disse nada no documentário.

Hanna e a Coruja, em foto de Bavcar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Enxergar a Alma, enxergar o Corpo, enxergar o Espírito.
A razão como amiga nestes momentos não tão divinos.
Olhar através da alma e enxergar a grandeza do Outro. Enxergar o lado da poesia.
Olhar o Outro por dentro, de dentro de si e para si, e procurar entendê-lo.
Ser amiga, companheira, ser inteira.

Anônimo disse...

Certa vez andando na rua, vi um beija-flor e fiquei ali admirando sua majestade. A sintonia foi perfeita, porque ao invés dele fugir, bailou pra mim e na pureza do momento, nos olhamos.
Eu morei numa casa que tinha muitos pardais. Sempre caíam filhotes dos ninhos aprendendo a voar e eu pegava-os na mão e ensinava-os a voar. Certo dia, um filhote estava fraco e não conseguia voar, então trouxe-o para dentro e cuidei até ele se fortalecer. Foi surpreendente quando o levei pra fora, porque sua mãezinha estava a sua espera.
Passado algum tempo, estava na cozinha fazendo almoço quando um pardal entrou de repente. Achei que tivesse perdido em seu vôo. O pardal parou e ficou me olhando, e veio na minha mão, com toda a liberdade de um pássaro. O que significava aquilo, eu me perguntava. Aí lembrei do pardal que ensinei a voar, ele veio me agradecer, e eu me senti agraciada.
Bendito são os olhos que vê o silêncio da natureza humana.