domingo, 25 de maio de 2008

Tempestade de Promessas Quebradas

Foto de autor desconhecido. Homenagem ao blog “Admiradores de Varais”.

Lento no luar lá fora, na noite lenta, o vento agita coisas que fazem a sombra mexer. Não é talvez senão a roupa que deixaram estendida no andar mais alto. Mas, a sombra em si não conhece camisas e flutua impalpável, num acordo mudo com tudo.
Fernando Pessoa, fragmento 145 do Livro do Desassossego.

É melhor quebrar ossos do que promessas. Provérbio chinês.

Aqui exponho o que me foi projetado, se estou perdido em confusões, sou o único culpado. Perdi várias oportunidades de ficar calado. Mesmo assim sigo contando e sei que estou sendo contado. São minhas as visões, não estão em nenhum livro revelado. Talvez sejam apenas alucinações de um coração magoado. Talvez sejam sonhos de alguém que jamais deveria ter sonhado. O que vi está visto e minha cegueira é a prova do que foi visado.

Vi uma tempestade de promessas que não foram cumpridas caindo do céu como se todos os anjos estivessem revoltados. E vi palavras queimando bocas como se os verbos do amor não pudessem ser pronunciados. E vi arcanjos baixarem o que estava em cima e vi o mar generalizado. Vi que as águas eram correntezas de corações engasgados. Vi nadarem sobre nossas cabeças tubarões caçando tolos apaixonados. Vi beijos falsos serem comidos pelas terríveis línguas de pássaros assassinados. Plantas, flores, bichos, gentes, prédios, carros: tudo e todos pareciam estar sendo cobrados. Entre os postes, um imenso varal de enforcados. Entre os dentes dos demônios: ossos quebrados. Plantas, flores, bichos, gentes, prédios, carros: todos estavam sendo enxergados. Cada qual com a medida dos seus próprios olhos e com o reflexo do olhar Daquele que olha tudo que é olhado.

Com meus olhos eu vi e com os próprios fui fotografado. Em verdade, são tais visões que me têm revisado. Vi que vendo eu minto e não sinto o sentimento que não deve ser verbalizado. Não sei tocar, nem me deixar ser tocado. Vi que o sentir elevado está longe do que eu tenho buscado. O que eu digo ser, é o contrário do que eu tenho falado. Entendi que cada “eu te amo” que eu disse me será cobrado. Assim como todos os “eu estou apaixonado”. Não sou peixe, não sou pássaro, não me sinto planta, não me sinto flor, nem bicho, nem gente, nem prédio, nem carro. Vi o horror dos que não cumprem promessas e dos que traem o que lhes é confiado. Vi que chovia e eu não estava molhado, percebi meu sorriso chamuscado. Vi que o que eu tenho guardado não é segredo e está estupidamente trancado. E assim eu me fui revelado: olhei para mim e não me vi, porque eu ainda não fui criado.

31/12/2000. Passagem do ano em Lisboa.

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